Mais uma vez, lá estavam eles, sentados à beira de um precipício.
Eu queria entender, de verdade, o que é que se passa na sua cabeça...
Como assim?
Eu não sei, parece que você se força a ficar na miséria, você... podia tanta coisa... mas, está aí...
Quando eu conseguir entender eu te conto.
Haha, você diz isso com um sorriso. É estranho que você alterne tanto seu humor.
Sorrir não significa que eu estou feliz.
Mas por que sorriu então? Por que as vezes você conversa ou simplesmente responde as coisas com um sorriso no rosto?
Às vezes um sorriso pode significar que queríamos estar felizes. Como um pequeno rastro deixado pela esperança que insiste em resistir dentro da gente. Mesmo quando usamos todas as nossas armas para destruí-la de vez.
Não sei se isso faz muito sentido...
Muita coisa não tem feito ultimamente, mas ainda estão aí...
Por que você parece sentir tanta dor?
Porque provavelmente essa é uma dor à qual não estou acostumado, algo com o qual eu ainda não aprendi a lidar direito. Não é segredo pra ninguém que eu me dou muito bem com dor física, mas essa...
Hm... tô fazendo perguntas demais, né?
Pra mim você está apenas conversando comigo. E isso já me basta. É o que eu queria pra pelo menos parar de pensar, um pouco de companhia.
É tudo que você precisa?
Não, mas é um começo.
Hm... por que de todos os lugares você escolheu esse abismo? Tem paisagens muito bonitas por aí... florestas, praias, bosques... todos muito mais bonitos que essa imensidão escura que parece nos observar...
Eu gosto daqui. Não importa quão bonito seja o lugar, se não tem nada nele que nos interessa, será só mais um lugar. E eu me sinto bem aqui, de certa forma. Às vezes eu encaro a escuridão bem lá no fundo, dá uma sensação de vazio. Mas é como se ela estivesse me olhando também... e não faz muito sentido, mas eu me sinto melhor em contato com algo que parece me entender.
Eu queria te entender, é sério!
Eu não duvido disso. Mas já tô um pouco cansado das pessoas em geral.
Ah...
Elas são... previsíveis.
Nem todas.
Praticamente todas.
...
...
Mas, e se...
O que eu queria era alguém que me mostrasse que é diferente, imprevisível. Alguém que não me desse aquela sensação de que eu já vi antes e provavelmente verei de novo... e de novo. Não acho que você entenda qual é a sensação de dizer "eu sei" de verdade. Não como um adolescente rebelde que não quer admitir que errou. Simplesmente como alguém que já tentou pensar em várias possibilidades e se cobra o dia todo e se xinga o dia todo, e briga consigo mesmo o dia todo. Eu sei quando eu erro e eu já briguei comigo mesmo, por isso não dá pra dar muita atenção quando alguém vem me dar bronca. Eu já ouvi isso, não adiantou, por favor, me deixem em paz.
E se...
E se o que? Se você fizesse algo agora que se assemelha a demonstrar carinho por mim?
É... mais ou menos...
Não precisa ficar envergonhada. Não faz diferença. Já fizeram isso antes, não adianta, é previsível que levantem essa possibilidade pra tentar fazer com que eu abaixe a guarda. Mas eu sei que depois quem vai tomar o tiro na cara sou eu. Desista.
Mas...
Mas você não quer desistir? Bom, quer que eu te ajude a desistir?
...
Quer que eu te xingue? Fale a verdade? Pode escolher, vai ser melhor pra nós dois dessa forma.
Eu não sei direito...
Ah, não é pra chorar também.
E então, pela primeira vez em muito tempo, algum som ecoou por aquela região. Um som que não fosse uma simples conversa. Como se o choro daquela garota tivesse algum poder sobre o abismo.
Eu queria mesmo, que você pudesse sair daqui... mas eu não sei... eu não entendo, porque eu não consigo te alcançar, eu queria ser imprevisível e poder te dizer que você não precisa ficar aqui, você não precisa disso. Você pode descansar também, não tem problema, se quiser deitar a cabeça no meu colo, você já lutou por tempo demais, não é vergonhoso parar de vez em quando... eu queria que você pudesse respirar... mas... mas você já deve ter ouvido isso... eu não sei...
Shh... calma. Parece que o abismo gosta de você.
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